terça-feira, 2 de outubro de 2012

Lugares Para Se Fazer Amigos

Ok, eu estava quietinha na minha, juro! Não queria fazer mal a ninguém, mas ia me dando aquela vontade, aquele enjôo de ver todo mundo reunido e, novamente, todo mundo falando ao mesmo tempo, que chegou numa fase de minha dor de cabeça que, ou eu calava todo mundo, ou eu explodiria internamente num grave aneurisma cerebral.

E não foi para minha surpresa que, depois do meu grito (e do pulo do Ron por causa do susto), todos ficaram olhando para mim e esperando que eu falasse alguma coisa.

Sabe como é: foi me dando aquela trava, aquele nervoso, e eu fiquei sem saber o que dizer, diante de todos os olhos fixos na minha figura. Nessas horas dá uma vontade grande de cavar um buraco e sumir, porque naquele momento tudo o que eu queria fazer era sumir dali. Era estar sonhando. Era acreditar que aquilo não tinha acontecido.

Os olhos azuis da Cissa me fitando assustada me levaram a pensar numa coisa: independente do paraíso que aquele lugar parecia, nós estávamos ali. Presos. Encurralados. Não havia como explicar o porquê de estarmos vivos, nem nada. Éramos todos jovens, recém saídos dos colégios e faculdades da vida, ainda pensando que uma simples aula de Biologia não nos serviria de muita coisa. Ao invés de Biologia, poderiam colocar aulas de Sobrevivência. Claro, porque acontece sempre de um acidente comum num cruzeiro comum terminar em náufragos numa ilha.

Depois do meu grito, todos silenciaram. Pareciam pensar a mesma coisa que eu. Estava, de repente, tudo quieto demais, que era o que eu queria. Mas com toda a minha experiência lidando com grupos de jovens, sabia perfeitamente que não iria querer assumir liderança alguma para cuidar de outros jovens naquele momento. Na verdade, eu queria ser a jovem cuidada. Sabe como é, eu sou muito carente.

Veio Diego para o meu lado, e nós dois ficamos olhando o horizonte. Era daquilo que eu precisava. Alguém calado, mas comigo. Não sei se o leitor está entendendo direito. Companhia silenciosa. Ondas do mar. Um pouco de sol e de amizade. Já tinham chorado, inclusive alguns garotos. Eu juro que tive vontade de segurar Richard nos braços e dizer que ia ficar tudo bem, mas a questão é que eu precisava primeiro de saber como dizer aquilo e parecer convincente.

Busquei o olhar dos mais velhos. Dani estava quieta, ali perto de mim, junto com Cissa e Silas, conversando baixinho. Ela parecia que queria resolver aquilo tudo, assumir a liderança, alguma coisa assim, então achei mais justo ajudá-la. Confortei os mais jovens, depois daquele momento maravilhoso do sol com Diego.

James veio para perto de mim, e os dois ficamos a ver para onde Ron e Abner pensavam em levar as bagagens. Abner era o mais contido de todos, o que não garantia que ele também precisaria de algo mais tarde. De qualquer forma, estaria ali se ele precisasse.

Meu olhar analítico centrou-se em Marcelo. James e eu éramos meio como aquelas pessoas que falavam pelos olhos um do outro. Então eu "olhei" para James ir conversar com ele. Não sei porque, mas precisava ir falar com Salem. Ele ficara quieto a maior parte do tempo, até mesmo quando todos estavam aos berros, depois que chegamos na ilha. Me dava calafrios, porque ele tinha os olhos vazios.

- Salem... - eu falei, chegando mais próximo dele. - Você está bem?
Era uma pergunta estúpida, eu sabia. Provavelmente tinha milhões de formas para iniciar uma conversa com ele, mas aquilo foi a única coisa que saiu.
Assim, ele respondeu da forma que eu achava que ele responderia:
- Estou ótimo. Ser náufrago numa ilha, era tudo o que eu queria.
Cansada e sabendo que não conseguia pensar em mais nada, eu chorei. Chorei feio. Parecia criança. Fico até com vergonha agora.
- Desculpa... - acho que ele falou aquilo porque pensou que eu estava chorando por causa da resposta dele.
- Não foi culpa sua. É que eu me sinto... - nem eu sabia a palavra. Mas ele sabia, por isso segurou na minha mão e me disse aquilo que eu estava dizendo aos demais:
- Vai ficar tudo bem.

Ron e Silas juntavam mais bagagens. E eu me lembrei de como os dois tinham sido heróis. Victor e Glória ajudaram, claro, mas nunca tinha visto pessoas tão dedicadas em ajudar o próximo. Eu e minha análise psicológica ficamos ali, "analisando", enquanto os heróis de verdade agiam. Nem precisava levar um cutucão da Dafne para começar a ajudar também, mas ela, com aquele perfil de mãezona dela, me cutucou e disse:
- Ei... paraíba... vai lá ajudar a Natália e a Vicky que elas precisam se acalmar. Do contrário o barco salva-vidas vira e nos leva junto.

Eu sorri, daquele jeito meio bobo de quem acabara de levar uma bronca da mãe por ser tão desligada, e então fui controlar as meninas. Não sei por que, mas eu estava bastante controlada. Era como se a frase de Salem fizesse parte de mim, e eu realmente soubesse que iria ficar tudo bem, antes mesmo de chegarmos na ilha. Só não tinha descoberto como expressá-la aos demais.

Porém Deus enviou Sua brisa, embora Rafael questionasse até a quinta geração das estranhas correntes de ar que levaram as velas improvisadas (idéia brilhante de Tiago Narniano) dos dois barcos salva-vidas em direção a ilha. Então eu segurei na mão da Dafne, e ela me disse outra vez que fosse apoiar os que estavam precisando.
- Nós que estamos mais calmos precisamos de forças para segurar os demais.
Eu balancei minha cabeça positivamente, e nós duas fomos conversar baixinho com Dani.

Assim o barco chegou em terra firme, depois de quase um dia inteiro à deriva. Era de se esperar que tivessem todos nervosos. A idéia principal era encontrar água, porém aquilo virou uma feira livre quando todas as idéias e opiniões sobre prioridades surgiram de cada um. Até a hora do meu grito. Era questão de sanidade mental eu fazer aquilo, para que todos voltassem a si (e eu não tivesse um aneurisma).

Voltando ao momento do por do sol, Geísa juntava uns pedaços de troncos secos, e eu me lembrei de uma série na Discovery onde Bear Grylls mostrava como sobreviver numa ilha deserta, numa cena em que ele acende uma fogueira. "Deveria ter decorado o programa inteiro", pensei eu, já que minha falha memória jovem vagava ao desconhecido, extraviando pensamentos e informações úteis para casos como aquele. Mas se alguém quisesse saber como roubar para ganhar no Age Os Empires, eu sabia de có: ("I r winner").

Nina, Glória, Jules e Felipe, os mais sensatos entre nós, distribuiam as frutas coletadas por eles no momento do berreiro, e Junia, que partira numa expedição rápida (uns 100 metros, já que avistamos a queda-d'água assim que chegamos em terra firme), trazia a água, que foram recolhidas por Juliana em recipientes e garrafas que muitos de nós trouxemos conosco na hora do naufrágio.

Para aqueles curiosos, não posso dizer nada. Não porque não quero. Mas sim porque não sei mesmo o que aconteceu. Ninguém dali entreouviu uma conversa do capitão com um de seus comissários (como sempre acontece nos filmes). Ou seja, estávamos no branco quanto às causas do acidente. Só sabíamos o que vivenciamos. Uma explosão, um incêndio, um berreiro, uma gritaria de "corram para os botes", alguns coletes salva-vidas batendo em minha cabeça, eu completamente claustrofóbica dentro daquele barco, e nossos barcos saindo juntos em direção ao esmo. Um barco preso ao outro (usando um pedaço da camisa do Luke - Lucas - em ganchos de rede de pesca nos dois barcos). O barulho das ondas batendo nos botes, os botes batendo uns nos outros e aquela brisa. Tão sonhada Brisa. Que nos trouxe até a ilha.

A ilha estava lá. Água da queda-d'água; frutas, bichos (quem se propôs a caçar foram Victor e Richard, mas ninguém queria dar um canivete a Richard para que ele não ficasse "se achando"), dúvidas e perguntas nas cabeças de cada um. Por que eu? Para que eu? Quando teremos jantar?... entre outras.

James sentou ao meu lado e nós dois começamos a entoar um canto gospel, para trazer um pouco de paz para nós mesmos. Estávamos egoístas naquele momento.

- Olha, gente... a gente tem que pensar muito no que vamos fazer. Não interessa o quê ou por que aconteceu; agora que estamos aqui, temos que lidar com isso da maneira mais simples: sobreviver. Dia após dia. Então, todos sabemos que precisamos de estar em comunidade com os demais. O que é de um, é de todos. - disse Dafne.

- Não sei se é correto isso... as sociedades de séculos atrás, já dizia Platão, encontrou muitas... - Rafael começou.

- Alguém cale esse menino... - sibilei em voz baixa, apenas James e Ron ouviram, e começaram a rir.

- O que interessa é nossa sobrevivência. - Abner se pronunciou, de uma forma tão sábia e segura que eu calei o meu canto para escutá-lo. - Precisamos de regras e devemos seguir. Acho que a maioria concorda realmente que regras sempre dão certo, quando seguidas. Uma sociedade, moderna ou não, precisa de regras. - terminou. Como eu sentia orgulho por ele.

Me lembrei dos meus anos na faculdade de Direito. Era óbvio. Eu entendia de leis. Regras estavam em meu sangue. Mas não queria me pronunciar agora. Olhei para Dafne, e dei o meu apoio gentilmente, balançando a cabeça positivamente. Assim que ela olhou de volta, me lembrei de uma antiga aventura onde havíamos nos conhecido.

Um Portal em Porto Alegre, numa madrugada narniana. A primeira pessoa que sentimos falta dentro do grupo recém-formado fora a Dafne. Ela havia se perdido de nós, com a Dani, e quando voltou tinha adquirido uma postura mais maternal em relação a nós. Eu entendia esse lado dela, particularmente, porque lembrava dos meus filhos de círculo do EJC. Era a saudade constante.

- Eu posso pensar nisso com vocês, depois... - me propus, observando Glória, Felipe e Jules. Dafne sorriu, e acenou um "ótimo" com o polegar.

Todos voltaram sua atenção para Dafne, que tomou enfim o posto temido de líder.
Olhei para James, que ainda cantarolava. D@n e Luke estavam sentados juntos, esperando que ela acabasse de falar para proporem seus planos de dormir todos juntos ali.

O Sol já tinha se posto, e Silas terminava de contar as frutas restantes do "jantar" para servir no "café", e todos já se organizavam para dormir. Éramos todos irmãos ali, entretanto colocaram os meninos para dormirem de um lado e as meninas de outro. Sempre me dei melhor com os meninos, por isso havia sido contra aquela regra. Mas a vista grossa de Dafne e Dani me fizeram cair na real, e enfim perceber que a inocência só estava em mim. Dei muita risada disso depois. Como eu sou ingênua.

Com fome, choramos. Com medo, choramos de novo. Entretanto eu sentia uma coisa em todos nós: apesar dos fatos terem sido os piores, todos estavam bem. Não havia feridas graves, nem as leves, não tivemos de lidar com a morte, e fomos salvos de ficar à deriva por horas por causa daquela Brisa Impetuosa. Apesar da saudade de "mainha", minha irmã, meus irmãos, minhas cunhadas, minha sobrinha, uma ânsia que me trazia as lágrimas pela falta do beijo do meu namorado, do calor meio-termo de João Pessoa, apesar dessa saudade impensável que sentia de tudo o que uma ilha deserta não poderia me proporcionar, eu tinha ali pessoas em quem podia contar, confiar e esperar. Em que poderia me sentir útil em ajudar, seria também a confidente e serviria de consolo quando a saudade apertasse.

Apesar dos pesares, da dor, da vida que havíamos "perdido" por tempo indeterminado (pouco tempo, posso assim dizer, já que fomos salvos poucos meses depois do acidente, segundo o calendário do relógio de D@n), tínhamos ali do lado mais que amizade. Tínhamos amor. Fraternidade. Cuidado. Esperança de que as coisas no mundo real pudessem mudar. O mundo real poderia viver em comunidade, como nós vivemos naquela ilha. Mudar as pessoas é o primeiro passo para que as coisas mudem. E todos estávamos ali talvez para aprender aquilo. O propósito real de termos sofrido aquele acidente eu nunca poderei dizer, mas poderia dizer facilmente o que nos motivava a cada dia ali sobrevivermos, como bem disse Dafne e Abner.

É realmente engraçado os lugares onde se fazem amigos.

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